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Quinta, 11 de Maio de 2023 08:00

Starship: a experiência do erro e as tragédias espaciais

Orlando Rodrigues Ferreira

(MTB 86.736/SP)

In memoriam às heróicas pessoas que dedicaram e perderam suas vidas pelos avanços da Ciência. 

          Diversas vezes a Ciência se desenvolve e progride a partir das experiências dos seus erros e inclusive por casualidades, se denominando de serendipdade as circunstâncias que acontecem sem aviso prévio ou inesperadamente promovendo descobertas pelo acaso, sobre esse interessante tema se indicando os livros “Descobertas acidentais em Ciências” (ROYSTON, M. Robert; Papirus, 1993) e “Serendipidade: o mundo do acaso” (BACH, Marcus; Nórdica, 2005). Em parte adequando-se nessas condições, em 20 de abril aconteceu a explosão controlada da espaçonave Starship conduzida pelo foguete Super Heavy quatro minutos depois da decolagem aos 29 km de altitude e a 2.152 km/h [Imagens 1A/B/C/D e Vídeo 1], mas não estava tripulada por ser um voo de teste.

Space Exploration Technologies Corporation, conhecida como SpaceX, do multibilionário Elon Musk, oficialmente comunicou que houve a detonação proposital porque as condições saíram de controle devido desligamentos inesperados dos motores que fizeram perder altitude e começar a tombar, assim a destruição impediu piores consequências. Aprendendo com a experiência do erro, a SpaceX informou em seu site que

“[...] O veículo experimentou vários motores desligados durante o teste de voo, perdeu altitude e começou a tombar. O sistema de terminação de voo foi comandado no lançador e nave. […] Com um teste como este, o sucesso vem do que aprendemos, e aprendemos muito sobre o veículo e os sistemas terrestres hoje que nos ajudarão a melhorar os voos futuros da Starship. [...]”  (Em livre tradução de www.spacex.com/launches/mission/?missionId=starship-flight-test).

 


Starship: lançamento e explosão controlada em 20/04/2023. Fontes: SpaceX; The Wall Street Journal (WSJ), 20 abr. 2023.

Entretanto, de praxe a Federal Aviation Administration (FAA; Administração de Aviação Federal) está investigando o incidente da Starship/Super Heavy. Por norma da FAA outro lançamento, como pretende a SpaceX, somente será permitido se qualquer sistema, processo ou procedimento não afetar a segurança pública. A investigação é de suma importância porque a explosão da Starship liberou uma grande nuvem que espalhou detritos potencialmente perigosos numa área de 1,6 milhão m2, atingindo reservas naturais com animais ameaçados de extinção e regiões habitadas, como na cidade de Port Isabel e nas praias de Boca Chica, Texas. Ademais, os potentes motores do foguete danificaram o complexo de lançamento formando uma enorme cratera, arrancaram partes do suporte da estrutura, amassaram tanques de armazenamento, cercas caíram, provocaram incêndio no Parque Estadual de Boca Chica, pedaços de concreto e metal foram espalhados numa grande área e despencaram em veículos, dentre outros diversos prejuízos.

Por outro aspecto, segundo Jeff Foust, do site SpaceNews, em 1º de maio diversos grupos ambientalistas ajuizaram uma ação contra a FAA alegando que a agência, estando em desacordo com a Lei de Política Ambiental Nacional, indevidamente realizou a revisão ambiental dos lançamentos da SpaceX. Portanto, adiante muito ainda será discutido sobre a questão.

A Starship

A  Starship e o foguete Super Heavy, no conjunto se denominando Starship, formam um sistema de transporte reutilizável para levar tripulação e carga à órbita da Terra, à Lua, para Marte e além. Constitui-se como o veículo de lançamento mais poderoso desenvolvido, com 120 m – 10 m a mais que o Saturno V do projeto Apollo nas décadas de 1960 e 1970 – podendo transportar à órbita baixa terrestre (LEO: Low Earth Orbit, entre 340-1.400 km) até 150 toneladas reutilizáveis ??e 250 toneladas descartáveis, também capaz de carregar ponto a ponto viajando para qualquer lugar da Terra em uma hora ou menos [Imagens 2A/B].

O Super Heavy, com 70 m, é o primeiro estágio do sistema de lançamento da Starship, possuindo 33 motores Raptor propelidos por oxigênio líquido (LOX) e metano (CH4) líquido sub-resfriado, podendo reentrar na atmosfera e pousar na torre de lançamento. O Raptor possui o dobro de impulso do motor Falcon 9 Merlin que comumente a SpaceX utiliza nas suas missões espaciais. A nave Starship, com 50 m, é dotada de três motores Raptor para impulsionar na atmosfera terrestre e três motores Raptor Vacuum (RVac) com bocal mais alongado para maior impulso no vácuo do espaço.

A Starship possui capacidade para transportar 100 pessoas em viagens de longa duração pelo espaço interplanetário, no futuro próximo pretendendo a colonização de Marte [Vídeo 2], mas antes trabalhará à entrega de satélites e ao desenvolvimento de uma base lunar.


Starship, mission to Mars (Starship, missão para Marte). Fonte: SpaceX, 10 abr. 2023.

 

Um veículo-tanque – nave Starship desprovida de janelas – permitirá o reabastecimento em órbita baixa da Terra antes de partir para Marte, assim havendo a condução de 100 toneladas àquele planeta. O desenvolvimento e a fabricação da Starship ocorre na Starbase (Base Estelar), um dos primeiros portos espaciais comerciais do mundo para missões orbitais, localizado no Condado de Cameron, Texas, próximo do Golfo do México. Desde 2020 são realizados voos de testes e retornos automáticos; ainda em 2021 a SpaceX inaugurou a torre de lançamento mais alta do mundo, com 146 m, necessária para lançar a Starship e o posterior retorno do estágio Super Heavy. No local está sendo construída a Starfactory (Fábrica Estelar), empregando 1.800 funcionários e indiretamente gerando milhares empregos.

Tragédias espaciais

A explosão da Starship, embora controlada, não é um caso único, visto que na história aeroespacial falhas graves invariavelmente se registraram, por exemplo:

ü  Em 27/01/1967, durante teste na plataforma de lançamernto aconteceu um incêndio no interior da cabine de comando da Apollo I, vitimando os astronautas Edward Higgins White II (1930-1967), Virgil Ivan Grissom (1926-1967) e Roger Bruce Chaffee (1935-1967) [Imagem 3];

 

 

ü  De 1969 a 1972, como parte do projeto soviético de levar homens à Lua, quatro tentativas de lançamentos dos foguetes N1 resultaram em explosões: N1-3L, em 21/01/1969; N1-5L, em 03/07/1969; N1-6L, em 26/06/1971; N1-7L, em 23/11/1972); então, em 1974 o projeto foi cancelado;

ü  Em 11 de abril de 1970, houve o lançamento da Apollo XIII à Lua e 55h54min.53seg. depois um curto-circuito fez explodir o tanque nº 2 de oxigênio do modulo de comando Odyssey e levando a falhar o tanque nº 1 provocando a falta de eletricidade, luz e água, obrigando os astronautas James Arthur Lovell Jr. (1928) – que informou ao Centro de Controle da Missão em Houston, Texas: “– Ah, Houston, we've had a problem!” (“– Ah, Houston, tivemos um problema!”) –, John Leonard Swigert Jr. (1931-1982) – antes de Lovell, Swigert havia informado Houston, que solicitou a repetição da mensagem  – e Fred Wallace Haise Jr. (1933) se protegerem no modulo lunar Aquarius, dando volta à Lua e, após muitas dificuldades e perigos, conseguindo retornar em 17 de abril, situação que provocou comoção mundial e foi dramatizada no ótimo filme Apollo 13, adaptação do livro The Lost Moon: The perilous voyage of Apollo, por Jim Lovell e Jeffrey Kluger (A Lua perdida: A perigosa viagem da Apollo; ed. Houghton Mifflin, USA, 1994) [Imagens 4A/B/C];
por fim, a National Aeronautics and Space Administration (NASA) também aprendeu com a experiência do erro julgando e qualificando a infausta ocorrência como "falha bem-sucedida", porque o aprendizado adquirido no resgate da tripulação se tornou extremamente útil às demais missões espaciais;

 

ü 
Em 30 de junho de 1971, depois de diversos problemas em órbita a nave soviética Soyus-11 apresentou avarias na vedação e a 160 km no espaço morreram asfixiados os cosmonautas Georgi Timofeyevich Dobrovolski (1928-1971), Vladislav Nikolayevich Volkov (1935-1971) e Viktor Ivanovich Patsayev (1933-1971) [Imagem 5]

 

ü  Em 18 de março de 1980, enquanto era abastecido na torre de lançamento o foguete soviético Vostok explodiu e ocasionou 50 mortes;

ü  Em 28 de janeiro de 1986, o ônibus espacial Challenger explodiu minutos depois do lançamento e sete tripulantes morreram: astronautas Francis Richard Scobee (1939-1986), Michael Smith (1945-1986), Judith Arlene Resnik (1949-1986), Ellison Shoji Onizuka (1946-1986), Ronald Erwin McNair (1950-1986), Gregory Bruce Jarvis (1944-1986) e a professora Sharon Christa McAuliffe (1948-1986), a primeira civil que iria ao espaço [Imagem 6];

 

ü  Em 14 de fevereiro de 1996, o foguete chinês Long March 3B explodiu 20 segundos depois do lançamento, matando seis pessoas e ferindo 50;

ü  Em 1º de fevereiro de 2003, o ônibus espacial Columbia foi destruído durante a reentrada na atmosfera e falecendo sete tripulantes: astronautas David McDowell Brown (1956-2003), Rick Douglas Husband (1957-2003), Laurel Blair Salton Clark (1961-2003), Kalpana Chawla (1962-2003), Michael Phillip Anderson (1959-2003), William Camern McCool (1961-2003) e o israelense Ilan Ramon (1954-2003) [Imagem 7].

 

Dezenas de tragédias aeroespaciais ocorreram e... Infelizmente no Brasil, em 22 de agosto de 2003, sucedeu a explosão do Veículo Lançador de Satélites (VLS) três dias antes do lançamento e morreram 21 técnicos, engenheiros e cientistas do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), quando o VLS passava por ajustes na Torre Móvel de Integração (TMI) no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão [Imagens 8A/B].

 

Fatalidades lamentavelmente sucedem e devem sempre ser evitadas o máximo possível, entretanto, não menoscabam o desenvolvimento científico, caso contrário seriam recursos, investimentos e principalmente vidas perdidas sem sentido e razão. Apesar dos trágicos percalços aeroespaciais, alguns – ou muitos! – que poderiam ter sido impedidos, significativa parte do futuro da humanidade se encontra no espaço, porém, constantemente se devendo agradecer e prestar perene reverência às memórias das heróicas pessoas que dedicaram e perderam suas vidas pelos avanços da Ciência.

 

 

 Fontes/Referências

FOUST, Jeff. Environmental groups sue FAA over Starship launch license. In Space News, may 1, 2023. https://spacenews.com/environmental-groups-sue-faa-over-starship-launch-license/
NASA. Apollo Image Library. https://nasasearch.nasa.gov/search?affiliate=nasa&sort_by=&query=apollo+image+library&commit=Search
NASA. Apollo missions. www.nasa.gov/mission_pages/apollo/index.html
SPACEX. Gateway to Mars. www.spacex.com/vehicles/starship/assets/media/Starbase%20Overview.pdf
SPACEX. Life at Starbase. www.youtube.com/watch?v=KQBVOQ79G2s
SPACEX. Starship flight test. www.youtube.com/watch?v=-1wcilQ58hI
SPACEX. Starship: Service to Earth orbit, Moon, Mars and beyond. www.spacex.com/vehicles/starship/

 

 

 

 

 

 

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Colunista
O Prof. Dr. Orlando Rodrigues Ferreira é astrônomo pesquisador em Educação Científica, jornalista e professor; Doutor em Ensino de Ciências e Matemática; Mestre em Ensino de Ciências; pós-graduado em Astronomia; licenciado em Filosofia; pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Ciência, Tecnologia e Sociedade (NIEPCTS) da Universidade Cruzeiro do Sul; sócio efetivo da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB) e da Sociedade Brasileira de Astrobiologia (SBAstrobio); sócio profissional da Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC); astrônomo colaborador do Polo Astronômico de Amparo; jornalista (MTB86.736/SP), comentarista colaborador da Rádio Difusora Ouro Fino; empreendedor em Astronomia, Ciência, Educação e Cultura com a MEI Astromóvel© & Observatório das Alterosas©.
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