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Sexta, 24 de Fevereiro de 2023 12:00

Por que a Terra gira ?

Orlando Rodrigues Ferreira

(MTB 86.736/SP)

 “– E pur si muove!” (“– E ainda se move!”)

Galileo Galilei (1564-1642)

 

Originalmente escrevi este artigo em 2 de fevereiro de 2009 quando era astrônomo e supervisor do Observatório Municipal de Campinas “Jean Nicolini” (OMCJN) e considerando as coordenadas geográficas do Marco Zero de Campinas, na Praça Bento Quirino, que aferi com GPS em 15 de julho de 2002, obtendo a latitude (F) 22º54’09,6” Sul (22, 902667 S) e longitude (λ) 47º03’33.3” Oeste (47,05925 O). No entanto, mantive guardado e jamais enviei para qualquer órgão de mídia e nem divulguei aos amigos. Decorridos 14 anos, revendo meus escritos nunca publicados considerei o antigo texto à coluna Notícias do Universo© (Universe News©), porém, atualizando e adequando às coordenadas do Marco Zero de Ouro Fino, apresentando adiante. Agora almejo que possa ser útil aos meus eventuais estimados leitores.

No Brasil, milhares de pessoas visitam os Observatórios Astronômicos, Planetários e Museus de Ciências, por excelência espaços não formais de ensino e aprendizagem, procurando vislumbrar as maravilhas do Universo aos telescópios e pretendendo compreender ou desvendar alguns “mistérios” da Natureza. Constatei que normalmente questionam sobre algo além de seus conhecimentos imediatos, como Buracos Negros, mas na maioria das vezes desconhecem as coisas próximas de si e da essência e índole humana.

Todavia, também observei que muitas pessoas perspicazes recorrentemente fazem uma pergunta curta e simples: Por que a Terra gira? Questão elementar que, entrementes, proporciona profundas reflexões e indagações filosóficas das nossas origens e do Universo. Tanto, que Galileo Galilei (1564-1642) em 1633 foi processado e julgado pelo Tribunal do Santo Ofício imputando-lhe de “suspeito veementemente por heresia” por se opor radicalmente ao então vigente modelo cosmológico geocêntrico (geocentrismo) aristotélico-ptolomaico que afirmava (sistematizava; moldava) a Terra estática como centro do Universo percebido e defender a teoria heliocêntrica (modelo cosmológico heliocêntrico) relativa aos movimentos de revoluções do planetas, publicada em 1543 na obra De revolutionibus orbium coelestium (Sobre as revoluções dos orbes celestes) do cônego, astrônomo e matemático polonês Nicolau Copérnico (Mikolaj Kopernik, 1473-1543), também do astrônomo e matemático grego Aristarco de Samos (320-250 AEC, Antes da Era Comum) cerca de 1.800 anos antes de Copérnico. Para não ser condenado à fogueira Galileo abjurou perante os juízes inquisidores – o processo contra Galileo envolveu além das questões geocêntricas e heliocêntricas –, mesmo assim, segundo historiadores, chegou a pronunciar “– E pur si muove!” (“– E ainda se move!”), não traindo seus princípios, o intelecto e a Natureza, porém, foi condenado à prisão domiciliar até morrer cego em 8 de janeiro de 1642. Para essas pessoas argutas, qual Galileo inatamente curiosas e ousadas, e às demais intentarei uma resposta despretensiosa sobre algo que se encontra sob nossos pés e não tão distante ou às vezes conjectural quanto um Buraco Negro.

            A Terra tem rotação porque herdou o movimento giratório da nebulosa – nuvem molecular de poeira e gases ionizados, principalmente hidrogênio (H) e hélio (He) – que originou o Sol há cerca de 4,56 bilhões de anos. Segundo a Teoria da Nebulosa Solar (Hipótese Nebular), uma estrela se tornou supernova – estrela maciça que explodiu quando em fase avançada de evolução e propagou uma onda de choque à nebulosa formadora do Sol. Fatores físicos fizeram com que a nebulosa se dotasse de momento angular, conceituando este como uma medida associada com a massa, dimensão e rotação de um objeto. A gravidade, a inércia e a aceleração da rotação gerando o efeito centrífugo (força centrífuga) achataram aquele disco, tornando-o perpendicular ao seu eixo rotacional e assim formando um elipsóide de revolução, que  é “[…] o sólido geométrico gerado por uma elipse que gira em torno do seu eixo menor (eixo polar) […]” (TIMBÓ, M. A., Elementos de Cartografia, UFMG, 2001, http://www.csr.ufmg.br/carto1/elementoscartografia_timbo.pdf).

A maior parte da massa se concentrou na região central – 99,8% da massa do Sistema Solar compõe o Sol –, sofreu contração gravitacional que fez aumentar a densidade, produzir calor e irradiar energia por fusão nuclear para resultar no Sol, conquanto, o processo à origem de uma estrela é bastante complexa e assunto para outra ocasião. O material remanescente formou um disco protoplanetário em que demais perturbações foram ocasionadas por colisões e o momento angular criou os meios que permitiram irromper objetos que se tornariam planetas, dentre outros corpos do Sistema Solar. No caso da Terra, houve um aumento de massa e da velocidade de rotação, que ainda permanece por não se registrar forças contrárias (inerciais) a esse movimento.

No Universo um corpo é dotado de energia e quanto a quantidade de movimento pode possuir qualquer velocidade nos limites da Física, o denominado momentum (momento linear), a medida da tendência que tem em manter seu movimento. Relativo ao momento angular, um corpo pode girar a qualquer velocidade, se designando degenerescência dos movimentos, simetria rompida ou quebra de simetria. A Terra possui o movimento de revolução (translação é um termo tecnicamente equivocado) em torno do baricentro (centro de massa) do sistema Sol-Terra e de rotação no próprio eixo devido a soma dos elementos materiais e energéticos (forças) que a formaram. Entretanto, a rotação e a revolução não são os únicos movimentos terrestres, posto que “n” movimentos existem conforme os referenciais adotados e isto é tema para outra oportunidade.


A Terra rotaciona ao sentido leste em movimento progressivo – ou direto – por volta de 1.669,80 km/h no equador à latitude 0º [Figura 1]. Referente à velocidade angular, que é a relação entre o deslocamento angular e o tempo necessário à ocorrência, realiza uma rotação em 24 horas – convenção do Dia Solar Médio, pois o dia sideral ou período de rotação sideral é de 23h56min04,09056seg – perfazendo um deslocamento de 15º por hora.

 

 

Calculando a velocidade de rotação da Terra

 

Como calcular a velocidade de rotação da Terra? Não sendo uma esfera perfeita, mas um volume geométrico esferoidal denominado geóide, a Terra, segundo o World Geodesic System de 1984 (WGS-84), possui o diâmetro equatorial de 12.756,28 km, logo, o raio equatorial (Re) de 6.378,14 km, e diâmetro polar de 12.713,50 km, logo, o raio polar (RP) de 6.356,75 km. Desse modo, para cálculo utilizando π (pi) = 3,1416, o comprimento da circunferência (perímetro) pelo equador é de 40.075,13 km e pelos polos é 39.940,73 km. Destarte, na latitude (F) 0º, dividindo-se 40.075,13 km (perímetro equatorial) por 24 horas, o planeta rotaciona a 1.669,80 km/h... Para desalento e total desespero dos alesados terraplanistas, que protestarão “Pare o mundo que eu quero descer!”, como na música (1976) do cantor Sílvio Brito, e até almejando “O dia em que Terra parou!”, qual na música (1977) de Raul Seixas (1945-1989).

No entanto, a velocidade rotacional não é a mesma em toda a superfície do globo, por isso é considerada como equatorial, posto variar conforme a distância latitudinal em relação aos polos geográficos, assim mais rápida no equador porque a circunferência tem que percorrer uma distância maior para se deslocar em relação ao eixo imaginário do planeta, o Axis Mundi (Eixo do Mundo). Dessa maneira, quanto distante do equador (maiores latitudes ao sul ou ao norte), menor será a velocidade de rotação [Figura 2], sendo que nos polos Sul (F 90º S) e Norte (F 90º N) ela é quase zero (cosseno de 90º = 0), aproximadamente de 1 cm a cada 24 horas (0,0417 cm/h).

 

Como calcular a velocidade de rotação da Terra a partir de onde se encontra o casual e curioso observador? Para isto, necessário considerar o perímetro do planeta numa determinada latitude (F) e dividir por 24 (horas). Contudo, como calcular esse perímetro especificamente? Simplificando e sem atentar para maiores detalhes, utiliza-se a fórmula CT = (2p.Re).cosF, onde: CT é a circunferência terrestre que se objetiva determinar de específica latitude (F); p (pi) = 3,1416; Re = 6.378,14 km (raio equatorial da Terra) e; cosF é o cosseno do ângulo de latitude, nesse caso podendo se valer de uma Tabela Trigonométrica ou calculadora científica usando a função “cos” para GMS (grau, minuto, segundo) ou convertendo em GD (graus decimais) para obtenção do cosseno.

Colocando em prática um simples exercício ao sagaz leitor, até para professores e estudantes. O Marco Zero de Ouro Fino é o obelisco com a herma (busto) do Monsenhor Teófilo Guimarães (1916-1945) na praça de mesmo nome, confirmado pela historiadora Profa. Maria Romilda Gomes Rodrigues por intermédio da jornalista Gabrièlle de Faria Sarro da Rádio Difusora Ouro Fino, às quais agradeço pela informação. Em 13 de agosto de 2000, aferi com GPS as coordenadas do Marco Zero, porém, realizarei nova aferição em próxima viagem ao município. Então, as coordenadas pelo Google Earth, com pouca exatidão, são F 22º16’57.29” S (GD: 22,282581 S), λ 46º22’10.06” O (GD: 46,369461 O) e elevação (h) 914 m. Aplicando-se a fórmula anteriormente descrita se determinará a circunferência da Terra desde o histórico ponto geodésico ourofinense e a velocidade de rotação (Vr) na respectiva latitude, portanto:

 

CT = (2p.RT).cosF

CT = (2 x 3,1416 x 6.378,14) x cosF [Marco Zero de Ouro Fino]

CT = 40.075,13 x 0,925325

CT = 37.082,52 km

 

Logo, para Vr (velocidade de rotação da Terra; Vm = ΔS/Δt) na F do Marco Zero de Ouro Fino:

Vr = CT / 24

Vr = 37.082,20 / 24

Vr = 1.545,10 km/h

 

Desejando proceder com outros exercícios, o pertinaz leitor poderá utilizar um Atlas ou o Google Earth para encontrar as coordenadas de outras localidades do Brasil e do mundo. Inclusive uma boa questão para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e vestibulares.

Em tempo! Retornando ao texto original em 2009, na latitude do Marco Zero de Campinas a circunferência da Terra é de 36.915,90 km e a velocidade rotacional é 1.538,16 km/h. No ensejo, convido o leitor, seus familiares, amigos e conhecidos para visitarem o Polo Astronômico de Amparo (www.poloastronomicoamparo.com.br), onde colaboro como astrônomo e professor, que oferece diversas atividades e cursos para o público em geral, estudantes e professores; ainda agradeço o astrônomo e físico Prof. Carlos Eduardo Antonio  Mariano, diretor técnico da instituição, pela leitura preliminar deste artigo e sugestões.


Enfim, Aristarco de Samos, Eratóstenes de Cirene (276-194 AEC), o primeiro a calcular a circunferência da Terra, Nicolau Copérnico e Galileo Galilei estavam certos, absolutamente certos... Enquanto que os abilolados terraplanistas estão errados, completamente errados!

 

 

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Colunista
O Prof. Dr. Orlando Rodrigues Ferreira é astrônomo pesquisador em Educação Científica, jornalista e professor; Doutor em Ensino de Ciências e Matemática; Mestre em Ensino de Ciências; pós-graduado em Astronomia; licenciado em Filosofia; pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Ciência, Tecnologia e Sociedade (NIEPCTS) da Universidade Cruzeiro do Sul; sócio efetivo da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB) e da Sociedade Brasileira de Astrobiologia (SBAstrobio); sócio profissional da Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC); astrônomo colaborador do Polo Astronômico de Amparo; jornalista (MTB86.736/SP), comentarista colaborador da Rádio Difusora Ouro Fino; empreendedor em Astronomia, Ciência, Educação e Cultura com a MEI Astromóvel© & Observatório das Alterosas©.
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