O Maracanã e o Eterno Rei do Futebol
Geraldo Affonso
Nas divisões oficiais das regiões e bairros da Cidade Maravilhosa, talvez não exista oficialmente nenhum que ostente o pomposo nome de Maracanã. O local onde há o icônico e mundialmente ex-maior estádio do mundo, um enclave entre os bairros da Tijuca e Vila Isabel, sempre bateu forte em minha memória retrospectiva. De fato, me vejo criança ainda de fraldas, dois ou três anos, assistindo a marcha garbosa dos soldados acompanhando o rufar dos tambores. Isto porque bem próximo à nossa casa na Rua Isidro de Figueiredo havia um pequeno quartel e os exercícios de marcha na diminuta rua eram constantes. Usei a palavra “diminuta”, porque a rua era bem pequena, apenas um quarteirão que se iniciava na Rua São Francisco Xavier, via das mais movimentadas da Zona Norte Carioca, e terminava onde houvera anos atrás o antigo Derby Club que, na época dessas minhas recordações, ainda mantinha suas decrépitas e destelhadas arquibancadas. É exatamente nesse local que foi construído o mundialmente famoso Estádio do Maracanã.
Já o meu primeiro contato de fato com o famoso estádio ocorreu nos anos azuis da adolescência, ainda durante sua construção, ocasião em que em minhas idas e vindas à escola, passava em frente a imensa obra, até que numa dessas vezes, juntamente com um colega, fomos visitar o imenso estádio. Essa minha primeira visualização, em especial o gramado circular já pronto, nunca saiu de minhas recordações pretéritas.
É difícil encontrar um brasileiro que não goste de futebol. Como se afirma comumente, para a alegria de uns ou desespero de outros, o Brasil ainda é o país do futebol e do carnaval. Eu me alinho entre os “uns”, pois o que seria do nosso povo se lhe tirassem os dois maiores derivativos que ainda lhe trazem um pouco de felicidade. Assim, com o passar do tempo, as idas e vindas ao então maior estádio do mundo passaram a fazer parte de minha rotina. De início, nas arquibancadas ou na parte reservada aos sócios dos clubes mandantes, pois mesmo nas épocas remotas do jovem estádio, eu já era sócio do meu clube do coração o América, e mais tarde, no setor 3 das cadeiras perpétuas, situado exatamente na parte central, graças a generosidade de uma querida e saudosa tia que adquirira duas cadeiras perpétuas na época da construção do estádio, mas que apenas uma vez na vida fora ao Maracanã, justamente na fatídica partida final da Copa de 50.
Eu não assistia apenas aos jogos do meu time do coração, mas a maioria das partidas que se realizavam nos fins de semana. Assim tive o privilégio de ver atuando no famoso gramado, craques do porte de um Zizinho, seja com a camisa do Flamengo ou do Bangu; um Ademir Menezes, que levantava a torcida do Vasco quando iniciava sua arrancada em direção à meta adversária; um Pompéia, goleiro do América que divertia o público com suas acrobacias, justificando o apelido de Ponte Aérea; um Garrincha que envergando a gloriosa camisa do Botafogo desnorteava seguidamente os zagueiros adversários com seus dribles inimagináveis e, assim por diante, minha memória retrospectiva vai resgatando grandes jogadores do passado que tive o privilégio de presenciar. Foram muitos, mas tenho que abrir em espaço muito especial para recordar um jogador do Santos que também tive o imenso privilégio e satisfação de vê-lo atuando no Maracanã em diversas ocasiões, Pelé.
De fato, o cidadão Edson Arantes do Nascimento faleceu aos 82 anos de idade, acontecimento que comoveu o mundo inteiro, pelo que ele representava no universo dos esportes. No entanto, tal qual os imortais das academias que permanecem vivos mesmo depois de suas passagens terrenas graças às obras que deixaram para a posteridade, Pelé não morreu e, na verdade, nem envelheceu, pois suas atuações geniais continuam impregnadas na memória dos que, como eu, tiveram a ventura de vê-lo ao vivo nos campos de futebol desse “ vasto mundo”, como diria o poeta Drummond, ou ainda nas inúmeras gravações em filmes ou vídeos que atestam para as atuais e futuras gerações o porquê de ser mundialmente reconhecido como o Rei do Futebol. Não há parâmetro de comparação com nenhum outro craque da bola e sua superioridade sobre os demais praticantes do futebol foi ainda bem no início de sua fabulosa trajetória captada por um dos gênios de nossa arte literária e teatral e que também foi cronista esportivo, Nelson Rodrigues. Pois bem, ao comentar um jogo entre o América, o meu “Mequinha”, e o Santos em março de 1958, partida em que Pelé fez os 4 gols da vitória santista, em uma das primeiras ou talvez a primeira atuação de Pelé no Maracanã, Nelson ficou extasiado e deslumbrado com o futebol daquele menino de 17 anos e o fez o seu “Personagem da Semana” em sua coluna esportiva. E não deixou por menos, pois foi a primeira pessoa a atribuir àquele adolescente imberbe o título de Rei do Futebol ao vislumbrar em Pelé uma potencialidade futebolística que o destacava dos demais jogadores, como bem afirmou em sua crônica e no seu estilo inconfundível : “O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: a de sentir-se rei da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento.” E mais, ainda, profetizou que com Pelé na seleção que iria disputar a Copa do Mundo em alguns meses, o Brasil seria campeão, o que de fato aconteceu, pois naquele ano de 1958
o Brasil conquistaria sua primeira Copa. (1)
Bem, retornando ao assunto Maracanã, após uma ausência de duas décadas, voltei ao velho estádio para assistir a um jogo do Botafogo em companhia de minha filha Roberta, torcedora de carteirinha do time da Estrela Solitária. Era a primeira vez que voltava àquele local de tantas recordações após as obras que o modernizaram. Externamente quase que não mudou de aparência e por dentro ficou bem diferente do Maracanã de minhas recordações pretéritas. Não existia mais a geral e suas arquibancadas diferenciam os setores com cadeiras coloridas que dão um toque de maior conforto. Mas encolheu e deixou de ostentar o título de maior do mundo. No entanto, quem continuou sendo o maior foi Pelé, pois além da realeza profetizada por Nelson Rodrigues e que se tornaria universal, pois o mundo inteiro o reverencia como Rei, ganhou mais um merecido título que o imortalizou de vez: Eterno
Pelé agora é o Eterno Rei do Futebol.
(1) Nelson Rodrigues, artigo de 25 de março de 1958, publicado em vários jornais e reproduzido no jornal Estado de São Paulo em 30 de dezembro de 2022.
(Geraldo Affonso é escritor e presidente da Academia Ourofinense de Letras e Artes)